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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Cufa Comunidade Segura



CUFA cria “Comunidade Segura e a Política Social D& Marketing Comercial”
Há seis meses uma coincidência invadia a CUFA, durante a apresentação do “Falcão”, documentário criado e dirigido pelo MvBill e por mim que mostra a vida dos jovens envolvidos com o tráficonas favelas brasileiras, assistíamos na nossa sede na companhia de crianças de uma escola pública da comunidade, as escolas sempre nos procuram para debater e orientar a meninada.No decorrer do vídeo, mais uma vez, me deparei com a cena de um jovem sendo enterrado por sua família.
Apesar de a morte ter ocorrido durante mais um dos “confrontos insanos”, o enterro não foi financiado pelos seus chefes por alguma razão. Sua família, como quase todas as outras, recorreu à boa vontade e solidariedade dos vizinhos e amigos para enterrar com dignidade seu ente querido.
A história se repetia como muitas outras vezes, a coincidência surgiu quando um colaborador da CUFA  interrompeu a sessão e disse que uma moradora estava a minha procura e o seu pedido era exatamente o que acabávamos de ver no documentário; ela recorria à CUFA para fazer uma última homenagem a seu sobrinho, um sepultamento simples, porém digno, esse não  tinha nenhuma ligação com o tráfico, morreu praticando esporte, bateu a cabeça num ferro que era na verdade uma trave improvisada, uma cruel fatalidade, percebi ai que mesmo as mortes sendo diferentes, as necessidades eram exatamente as mesmas, independente da existência de parentesco!
Lembro bem que na época das gravações do Falcão,  uma das coisas que eu pensava era sugerir aos governos um programa de seguro de vida e acidente para os moradores de favelas, uma espécie de Bolsa família para utilização somente nesses momentos difíceis onde não se tem a quem recorrer, com objetivo de proporcionar um momento mais digno em uma hora tão difícil!
Porém, no caso do Bolsa Família oferecido pelo Governo, mesmo o programa atendendo muitas das necessidades, quando essas pessoas são atingidas por uma fatalidade, até onde sei, elas não tem nenhum tipo de amparo, nenhum programa que as mantém com alimentação, remédios, ou um apoio financeiro para aluguel e as necessidades básicas como água e luz, por exemplo.
Na época eu pensava que deveriam pensar num seguro não só para as pessoas, mas para o  próprio programa, desde que fosse algo viável, legal  e seguro.
Bem, razões para pensar em seguro para essas pessoas não faltam, mas posso citar uma das principais razões: Nas favelas, ou comunidades, a tensão é muito maior e todos estão diariamente expostos à morte ou invalidez permanente, seja por guerra entre o tráfico, do tráfico contra policia, milícias, ou mesmo pelas irregularidades dos terrenos, isso citando somente alguns dos problemas, se não vamos falar das centenas de mortes no verão por conseqüência das chuvas e deslizamentos e tantos outros problemas que são enfrentados diariamente.   Concordo que parte desses problemas não são exclusivos das favelas, mas não devemos esquecer que esses territórios são historicamente abandonados, apesar de seus moradores pagarem igualmente  todos os impostos ao adquirirem qualquer bem em qualquer estabelecimento comercial ou cultural nas cidades.
É certo também que apesar de parte da sociedade, achar que essas vidas “valem menos”, ledo engano, o valor é o mesmo, trata-se de vidas independente da situação que se encontram; Mas o desprezo à vida não é o meu foco nesse momento, pelo contrário, a valorização dela é o que esta em questão aqui.
Esse seguro seria uma forma da família ter um respaldo nesses momentos tão difíceis e assim não precisar recorrer a “lideranças” das favelas, que nessas ocasiões são os departamentos locais que dispõe de recursos para sanar parte da dor e amparar com o mínimo de dignidade. Isso quando não são levados a contar com eles para alimentar os sombrios meses que virão.
Infelizmente sabemos que ninguém se prepara para o pior, então quando ele chega, de fato, somos pegos desprevenidos e essa cultura não é um “privilégio”  só de quem mora nas favelas, porém, como meu foco social são as favelas e seu desenvolvimento, é da sua segurança aqui que desejo falar.
O fato é, tudo que eu disse até aqui continua latente, mesmo as classes C,D e E serem hoje referência de consumo e de acesso, um seguro de vida ainda é uma realidade muito distante, ou pelo menos ERA até agora!
Pensando em todas essas informações resolvi fazer uma pesquisa através da Liga dos Empreendedores Comunitários da CUFA, a princípio só na Cidade de Deus, Complexo do Alemão e Rocinha. Minha intenção era saber quem já possuía seguro de vida.
Foram abordadas cerca de 1.500 pessoas, e como já imaginava, menos de 1% dessas pessoas tinham um seguro, além disso, também pudemos apurar que todas as outras, sequer sabiam, o que era necessário para se ter um seguro.
Entre os entrevistados 91% disseram que SIM, gostariam de ter um seguro, mas desde que esse não comprometesse seus orçamentos.
Munido dessas informações comecei minha busca, esbocei um projeto e visitei uma empresa, que me recebeu muito bem, me encaminharam para o Departamento de política de relacionamento comunitário.
A resposta foi a seguinte: “Adoraríamos participar de um projeto onde o foco é a segurança das pessoas, principalmente com a CUFA, pois admiramos e sabemos a relevância do trabalho desenvolvido por vocês.  Me deu parabéns e disse que Infelizmente a empresa não estava preparada para esse tipo de investimento!”.
Como nada, nunca foi fácil, essa negativa seria a primeira, e eu não poderia esmorecer, sempre acreditei e acredito em tudo que faço, e parti para mais uma investida, desta vez  um grande supermercado.
No supermercado me encaminharam ao diretor de Marketing, ele foi muito solícito, adorou o projeto e disse que, de fato, seria um sucesso de marketing, mas disse que infelizmente não tinha disponíveis recursos para investir nas favelas, mesmo entendendo que o consumo nas favelas hoje seja responsável por uma fatia generosa na economia do Rio.
Comecei a achar que o problema estava comigo, que eu precisava de dados,  liguei para o Data Popular , mais importante Instituto de Pesquisa do País  no que diz respeito as classes C,D e E e colhi várias informações para ajudar no processo de convencimento. Vocês sabiam que hoje as favelas no Rio consomem 13 Bilhões por ano?! Isso mesmo, 13 BILHÕES, segundo o instituto Data Popular.  Alias , é o instituto que convidaremos para acompanhar e medir o impacto desse  projeto na vida das pessoas que vão recebê-lo e no comercio das favelas que serão parceiros.
Tive então minha segunda negativa, agradeci a atenção e parti em busca de outra empresa, essa me recebeu e encaminhou  ao departamento de projetos  sociais, no primeiro momento fiquei muito entusiasmado e pensei: Pronto encontrei o que precisava!
A responsável pelo departamento disse que minha idéia era tudo que ela queria, e que levaria a pauta para reunião de diretoria, e assim que possível me retornaria.
E ela retornou com o seguinte: “Celso, o projeto foi muito bem avaliado, porém foi vetado pelo departamento comercial-Financeiro, acusaram meu departamento dizendo que só pensamos em gastar e que, somente eles, têm responsabilidade social, pois são as vendas que viabilizam a existência da Companhia, boa sorte na sua caminhada, o projeto é lindo e humano.”
Entendi seu desabafo, agradeci,  agora eu sabia que o comercial era o meu foco central !.
Voltei na primeira empresa por mim visitada, já com novos dados e levando até um assessor do “asfalto” para impressioná-los, fomos  recebidos pelo comercial, que aprovou de imediato, mas disseram que o ideal seria procurar a Presidente Dilma, que muitos projetos do governo são importantes, mas esquecem da segurança das pessoas,  que a Dilma e  o Governador Sergio Cabral que precisavam olhar para essa direção, não as empresas privadas.
Disseram ainda que o problema, na sua empresa, é a dificuldade de  conseguir atingir a plena comunicação entre os departamentos, que na verdade fingem uma convivência pacífica!
Senti um pouco de deboche, mas como era o mesmo discurso da senhora do social da empresa anterior, me comportei como um lorde, segurei minha onda, e como esse mundo dos negócios não é a minha praia, vai ver eles tinham razão mesmo, espero que eles se entendam.
Alguém já me viu desistir de alguma coisa que acredito? Pensei, vou chamar a Nega Gizza , o Bill e vamos nós mesmos fazer um teste, já que essa visão se consolidou na CDD “Cidade de Deus”.
Surgia então o projeto “Cufa,  COMUNIDADE SEGURA”
Como expliquei, superficialmente, no começo desse texto, o projeto surgiu a partir da necessidade latente em resguardar essa camada da sociedade que, de fato, precisa de maior seguridade social. Considerando o desejo de possuir um seguro de vida, conforme me mostravam os números, eu precisava colocar a idéia em pratica!
Fazer um seguro de vida ainda é um pensamento muito distante para essas pessoas, mesmo que micro, tanto que as corretoras e bancos  resistem em arriscar um investimento se quer razoável, só fazem de maneira tímida, já que esse público ainda  não mostra nenhum dado concreto a esse respeito, até que eles descubram que a favela não precisa de interlocução, ela já é protagonista das suas inspirações.
Meu próximo passo seria entender, buscar informações sobre seguro, e se houvesse viabilidade eu levaria aquele rascunho adiante.
Busquei no mercado pessoas com conhecimento em seguro e que pudessem me assessorar, e encontrei os papas do assunto, Carlos Ruy e Jose Rodolpho Busch, seguimos em frente e os próximos passos seriam fechar os números , uma corretora e uma seguradora, e meu papel com o Bill seria convencer os comerciantes das favelas a entrarem no projeto.
Depois de muitos exercícios matemáticos chegamos a uma única conclusão:  Um seguro individual seria impossível fazer no valor que eu sonhava, R$ 0,35 por mês.  A idéia era evitar que os moradores pagassem, pois cobrar esse valor mensal seria mais caro do que receber, então a solução foi a parceria, a titulo de  teste de viabilidade com o comercio das favelas, pois eles viabilizariam esses seguros, em contra partida seria a priorização, por parte dos assegurados, desses estabelecimentos para efetuar suas compras. Não foi difícil convencê-los, graças inclusive ao momento que vivem os comerciantes nesses lugares.
Partimos então para a seguradora, já na primeira reunião com o acionista ele disse:  “Respeito a CUFA e amei o projeto,  não consigo fazer a esse preço, mas vamos fechar a R$ 0,50 por mês ( R$ 6,00 por ano). Vou participar do projeto piloto por muitas razões Celso, inclusive porque é um bom negócio para minha empresa, e faço questão que não faça referência ao nosso nome, pois o que me anima nessa operação é participar de um projeto de valorização da vida, isso é o que faz a diferença, ter lucro fazendo o bem as pessoas.  Conte comigo!“
Martelo batido,  agora o projeto tinha o dinheiro, a seguradora e resolvi que a própria CUFA criaria uma corretora.
A próxima reunião foi com a seguradora, CUFA e com os comerciantes parceiros e ficou acordado o seguinte:
Teste com 50 mil pessoas, distribuídas em:
         Rio de Janeiro
        Cidade de Deus
Complexo do Alemão
Rocinha
         São Paulo
Paraisópolis
Capão Redondo
Porto Alegre
Restinga
Fortaleza
Lagamar
 Brasília
Cinelândia
Mato Grosso
Osmar Cabral
A apólice será no valor de R$ 12.000,00 doze mil reais, dividido da seguinte forma:
  •  R$ 5.000,00 por Morte Acidental;
  • R$ 5.000,00 por Invalidez Permanente por Acidente;
  • R$ 1.000,00 para Auxilio Alimentação na falta do mantenedor em caso de acidente;
  • R$1.000,00 para Auxilio Funeral (Morte Qualquer Causa).
Diga-se de passagem, muito menos que um “baseado” ou uma garrafa de cerveja, comparando-se a 1 ano de seguro com proteção 24h por dia.
O seguro será exatamente como qualquer outro seguro de vida, cobre morte, invalidez total ou parcial permanente entre outros.
Vamos começar a fase de testes e beneficiar a população, pelo menos num primeiro momento com o custo viabilizado pelo comercio local, depois desse piloto vamos lançar um  projetão chamado PSD&MC,  claro ele vai precisar se mostrar viável. 

Política Social & Marketing Comercial.
O PS&MC  é mais do que uma resposta aos departamentos  das empresas que visitei, e as tentativas mal sucedidas dos micro seguros, é sobre tudo uma sugestões de ações integradas, consiste em parcerias socialmente inteligentes!!
Pensando num exercício  prático, uma empresa X entra com o valor de R$ 6,00/ano, por pessoa,  ou R$ 0,50 por mês,  e se for agressivo, pode-se pensar numa apólice para um milhão de pessoas, que custaria  6 milhões, parece muito não é?!
Sabemos que o valor é muito mais baixo do que muitas campanhas singelas, e essa empresa viabilizaria a “segurança” de um milhão de pessoas que e seriam suas companheiras nos  365 dias do ano, e num caso de sinistro, é com essa empresa, representada pela seguradora  que essas pessoas vão contar. Com certeza algo SOCIALMENTE  jamais visto.
Seguindo essa lógica, para essas pessoas renovarem seus seguros, basta apresentar ao estipulante, a CUFA,  uma quantidade de cupons de produtos dessa empresa adquiridos durante todo o ano, ou seja, será um único investimento, e a fidelização e manutenção da relação se dará no processo de construção da relação entre os moradores e a empresa, claro que com isso essa empresa além de só investir uma única vez, vai aumentar  as vendas consideravelmente, tornando o projeto viável e sustentável COMERCIALMENTE .
Se pensarmos em MARKETING, esse número tende a crescer, e  nenhuma empresa concorrente teria um mailing list tão volumoso e fiel.  E mais, quando o cidadão  se deparar com duvida em  adquirir um seguro de vida  para a  família ou comprar determinados produtos, a duvida terminará ao saber que com o produto da empresa parceira ele terá as duas coisas ao mesmo tempo.  Consolidando assim uma POLITICA de relacionamento da empresa internamente  entre os setores e externamente com uma política de fidelização dos seus consumidores.
Mas existem ainda outras formas de acessar o projeto, como por exemplo,  parcerias com universidades quando cada aluno tem a opção de fazer um seguro de R$ 0,90 por mês, ou seja, R$ 10.80 por ano, diluído nos seus carnês que  em geral passa de  R$ 300,00 mês. E nesse seguro de vida ele além de fazer um seguro pessoal nas mesmas condições acima, terá oportunidade de financiar um seguro para um morador de alguma comunidade da sua cidade.
Sendo que os outros R$ 0,10 será a contra partida do outro parceiro, a universidade.
Na pratica o  PSD&MC, trata-se de um quadrilátero onde unimos as pontas de uma empresa com seus 4, principais, pilares Comercial, Político, Social e Marketing.
Todas as empresas têm como objetivo vender seus produtos, para tal é feito um trabalho de marketing e com essas campanhas de MKT se atingi o objetivo comercial, venda do produto em questão; O lado social as empresas empregam em alguns projetos, que quase nunca está ligado ao seu produto.
Mas e o Governos e o Legislativo com isso?!?
O Estado, além de promover a política de segurança pública, pode participar mais ativamente desse projeto, nada impede que a Dilma, Sergio Cabral ou mesmo o Parlamento percam a chance de estar mais atentos sobre o anseio dessas pessoas.
Hoje existe por exemplo um debate sobre  o destino das emendas parlamentares, se um único parlamentar federal por estado, que tenha compromisso com essa população fizesse uma parceria com esse projeto usando parte dos seus  14 milhões para ser destinados a projetos sociais como esse, imagina a revolução?!
Assim o discurso de que todos querem favelas mais seguras se transformaria em algo concreto, pelo menos até termos uma política de habitação que faça das favelas coisa do passado!
Pronto!! consegui colocar no papel um pensamento,  o PSD&MC, fechando o quadrado onde 25% de cada pilar que constitui uma empresa beneficiam a sociedade atingi um numero significativo de pessoas e vende seu produto!
Claro que se eu fosse formado  em economia periférica com especialização em Harvad , esse texto seria melhor escrito, como viraria artigo de grandes veículos, mas o importante aqui é o compromisso de criar uma  “Comunidade Segura “, e fazer nascer também a sua oportunidade de construir a maior intervenção de segurança Social que se tem noticia.
“Tamu” Junto e assegurado!
Lançamento do Comunidade Segura:

         Rio de Janeiro
29  -  Setembro   - Cidade de Deus
30  -  Setembro  - Complexo do Alemão
30  -  Setembro – Rocinha
         São Paulo
13  - Outubro – Paraisópolis
14  - Outubro – Capão Redondo
Porto Alegre
20 - de outubro -  Restinga
Fortaleza
21 -  Outubro -  Lagamar
 Brasília
24 -  Outubro     Cinelândia
Mato Grosso
24 – Outubro – Osmar Cabral
Para maiores informações ou para se inscrever procure a cufa da sua Comunidade Site – www.cufa.org.br
Twitter – @ComuSegura
Celso Athayde
É Secretario geral da Central Única das Favelas
Rio de Janeiro

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Crack: saber científico e social devem ser integrados



 Muitas pesquisas usam a favela como verdadeiros ratos de laboratórios, pois a usam na produção do conhecimento. Mas os resultados das pesquisas nunca voltam para essa população. Então, a favela continua coadjuvante de sua própria história. É preciso compartilhar os estudos que a academia faz e articulá-los com o conhecimento vivo, empírico. Nosso desafio é articular esses dois saberes na luta contra o crack e outras drogas", advertiu o diretor da Central Única das Favelas (Cufa) Brasil, Preto Zezé, durante o debate de lançamento do documentário Selva de Pedra - A Fortaleza Noiada, do qual ele também é diretor e roteirista junto com Edmar Jr. Ele ressaltou ainda que o crack avançou em todo o Brasil mais rápido que se esperava. E, infelizmente, as políticas não evoluíram. O encontro foi realizado na quarta-feira (12/9), durante as comemorações pelos 58 anos da ENSP.
 O documentário apresentado tem a intenção de fazer emergir, com clareza e profundidade, o fenômeno do consumo do crack na cidade. O filme também fornece elementos para que a sociedade e o poder público possam refletir juntos sobre essa problemática, de modo a preencher um vácuo na instrumentalização das políticas públicas de prevenção (que envolvem aspectos de saúde, educação, segurança etc.), tanto por parte do município como do Estado. Seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento de alternativas capazes de promover o possível enfrentamento competente dessa grave patologia social, bem como instrumentalizar as fórmulas adequadas para obter a recuperação dos jovens que se tornaram suas vítimas, dos que ao seu redor de alguma forma foram atingidos pelos seus impactos na sociedade. O pesquisador da ENSP Paulo Amarante foi o mediador do debate. 
 Durante o debate, Zezé comentou que, para a Cufa e outras instituições interessadas nessa questão, o crack nunca foi um estudo de caso. “Não é somente um objeto de pesquisa nosso. Ele tem nome, sobrenome, envolve amigos, filhos, maridos, esposas, conhecidos e muitas vezes dorme com a gente ou mora conosco. Em nossas análises, vimos também que a sociedade e as autoridades criaram muitos mitos sobre essa droga. Um deles afirma que os seus usuários não têm sobrevida longa: comprovadamente, isso é mentira. Também é inverdade que um usuário de crack não tenha recuperação. Outro mito está relacionado à quantidade de uso dessa droga. Muitos associam os usuários a zumbis, mas, na verdade, diversas pessoas fazem uso apenas nos fins de semana”, desmentiu ele. 
 De acordo com o palestrante, é urgente ampliar a discussão do crack na agenda de saúde, pois, mesmo o Estado não chegando a essa população, muitas pessoas usaram suas próprias estratégias e largaram o vício. “Também é preciso ter uma agenda que apoie essas pessoas que, a duras penas, saíram do crack e conseguiram se reintegrar socialmente. São urgentes e necessárias ações de suporte, sejam elas por meio de clínicas, dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou igrejas. Não há receita. É preciso beber de todas as experiências vividas”, disse ele, destacando a atuação do grupo Bandidos do Céus, que faz um trabalho diferenciado, forte, que envolve a religião para tirar as pessoas do vício do crack. 
 Com base nesse pano de fundo, Preto Zezé afirmou que também é necessário discutir a legitimidade da produção de conhecimento. “Diversas pesquisas usam a favela como ratos de laboratório para a produção do conhecimento. A pesquisa, depois de pronta, é publicada e somente divulgada entre pares na academia. Ela raramente volta para a população estudada e, portanto, não tem utilização na sociedade. Com isso, para mim o mais grave, a favela continua coadjuvante de sua própria história.” 
 Ele reconheceu que sua crítica à academia se dá apenas em pontos específicos, pois também faz uso de seus saberes e avanços tecnológicos quando, por exemplo, toma um comprimido para dor de cabeça ou gripe. “O que defendo é o acesso ao conhecimento que liberta. Precisamos compartilhar os estudos que a academia faz e articulá-los com os conhecimentos empíricos. O nosso desafio é descobrir como interligar esses saberes para produzir novas estratégias. Precisamos reconhecer a contribuição que cada um pode dar a esse processo”, considerou Zezé.
 O diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, durante o debate, lembrou que, anualmente, em especial o período de aniversário da Escola, é aproveitado para aprofundar seus vínculos com a sociedade e a comunidade do entorno. Dessa forma, é possível enfrentar os problemas que surgem com a participação da ciência, cultura e dos diversos segmentos da Escola. Ele afirmou a Zezé que quer estar junto com ele e a Cufa nessa luta, fazendo uso da ciência e cultura. “Não estamos nos esforçando pela política ou pela responsabilidade social, mas sim pela obrigação social que temos de nos integrar e somar para o desenvolvimento da sociedade”, afirmou. Para encerrar, Antônio Ivo convidou Preto Zezé para dar aulas na ENSP e compartilhar com a Escola sua experiência e ciência viva. “Poder tê-lo aqui, nos quadros da ENSP, será uma honra para a Escola.”

CUFA e UNESCO




No próximo dia 13 de  setembro de 2012, acontece no Teatro Criança Esperança no Cantagalo, Rio de Janeiro, o Seminário Internacional para apresentação, divulgação e disseminação da pesquisa com o tema que fala sobre Sociabilidades Subterrâneas: identidade, cultura e resistência em comunidades marginalizadas. A Representação da UNESCO no Brasil, em parceria com a London School of Economics (LSE), as Fundações Itaú Cultural e Social, o Afro Reggae e a CUFA (Central Única das Favelas), está conduzindo uma pesquisa que tem o objetivo de explorar a metodologia desenvolvida pelas instituições presentes em nas favelas e que através de atividades artísticas conseguem influenciar positivamente na vida dos moradores locais. Através do trabalho social desenvolvido nas comunidades, conseguem incluir e integrar os moradores da favela ao asfalto e como esse trabalho atua na educação e formação dos mesmos. A importância de mapeá-las é compreender como podem servir de informação em outros contextos e situações de exposição a riscos semelhantes. O projeto é parte de uma extensa rede de parcerias com a London School of Economics e universidades parceiras, com as próprias comunidades estudadas, com a polícia local, o Afro Reggae, a CUFA, a UNESCO e as Fundações Itaú Cultural e Social.  Cada etapa do projeto é discutida por todos os parceiros, por meio de uma metodologia participativa. Diversos seminários e reuniões já ocorreram ao longo desses quatro anos da parceria. O projeto está em fase de apresentação dos resultados finais da pesquisa, que se encerra em dezembro de 2012.